sexta-feira, março 12, 2004

Na eleição que a revista Zero promoveu de melhores do ano em 2003 (e da qual tive a honra de ser um dos integrantes do colégio eleitoral) uma das categorias era melhor livro. Acabei cravando meu xis em "A Ditadura Derrotada - Vol. 3", do jornalista Élio Gaspari. Trata-se de um livro primoroso, um excelente trabalho de Gaspari contando para as gerações mais novas o que foi o regime militar brasileito. Só que se pudesse, eu teria mudado meu voto. Isto porque no apagar de luzes de 2003 foi lançado um livro que só vim a ler agora e acabei gostando pacas dele. Trata-se de "Queda Livre - Ensaios de Riscos", de Otavio Frias Filho, diretor de redação da Folha de S. Paulo.
É um livro surpreendente. Quem iria imaginar que Frias Filho iria escrever ensaios com um pé no jornalismo gonzo? Isso não habitaria os pesadelos de seus piores inimigos. Logo ele que está a frente da redação de um jornal que cumpre normas rígidas no que diz respeito ao tratamento da notícia. Essa ruptura com quase todos os padrões que ele próprio estabeleceu e adimistra na Folha é um do grandes atrativos de seu livro. Eu disse quase todos, pois um dos pilares do Projeto Folha está lá que é o didatismo. Com isso, é possível ter um panorama básico da história do para-quedismo no mundo, ou de entidades voluntárias como o CVV. Nesse caso, Frias Filho assume mais um risco. As contextualizações históricas podem ser úteis para certo tipo de leitor, mas podem aborrecer um pouco aqueles que compram o livro diretamente para acompanhar as experiências do autor.
Outro fator que conta muito a favor de "Queda Livre"
é a qualidade dos textos. O escritor Frias Filho acaba sendo muito melhor que o articulista Frias Filho. No livro, os escritos são mais leves, tem mais humor. Não aquele humor escrachado, mas uma fina ironia. Isso contrasta e muito com a imagem publica do próprio autor, conhecido por sua sisudez.
Talvez com esse "Queda Livre", Frias Filho não necessite escrever uma autobiografia, uma vez que ele narra algumas experi?ncias importantes de sua vida quando garoto, como a descoberta da existência da morte e sua participação num grupo de teatro amador patrocinado por uma de suas irmãs.
De todo o livro, quais seriam os melhores ensaios? Aquele no qual Frias Filho conta a experiência de atuar numa peça do grupo de José Celso Martinez Corrêa sai na frente. Talvez porque seja o mais autobiografico possível e tamém porque é uma tentativa de exorcizar um fracasso, a rejeição do público de uma de suas peças teatrais, "Rancor", e do modo como depois ela foi acabou sendo moldada para o gosto médio pelos atores.
Outro destaque é o ensaio sobre o suicídio, no qual ele narra sua experiência como voluntário do Centro de Valorização da Vida. Aqui há uma alternancia entre a crueldade e a leveza. Em um determinado momento, ele passa a descrever experiências de suicidas que não conseguiram seu intento. Será uma tentativa de contribuição para que outras pessoas desistam dessa idéia?
O texto sobre a seita do Santo Daime também é bom, fugindo do clichê "cético tentando desimistificar".
Penso que caberiam novos ensaios de risco para Frias Filho. Uma vez que a fé teve a devida abordagem no ensaio sobre os daimistas, ele poderia tentar descrever essa onda neo-pentecostal, que vem atraindo a milhares de fiéis usando como isca a teologia da prosperidade. E que tal Frias Filho entrar para uma torcida organizada de futebol. Enfim, possibilidades não faltam.
Para não dizer que "Queda Livre - Ensaios de Risco" não tem defeitos, há pelo menos um que merece "erramos" na próxima edição. O personagem de Luis Fernando Veríssimo é o "Analista de Bagé" e não o "psicanalista de Bagé", como escreveu Frias Filho. De qualquer modo, é um livro que tem meu voto na próxima eleição de melhores.

 
www.e-referrer.com