segunda-feira, julho 29, 2002

Sem muito alarde, já está no ar o site da revista Zero, com algumas matérias já publicadas na versão em papel e outras feitas exclusivamente para a página. Tem até um blog, com a participação de toda a redação e há uma grande ironia nisso. Alexandre Petillo, um sujeito anti-blog por excelência, também sucumbiu ao hype..he he he

Pois é, pelo jeito o Fellini vai virar assunto deste blog por um bom tempo. Saiu uma entrevista muito interessante com a dupla Thomas-Cadão no site da gravadora Trama. O entrevistador é Rodrigo Carneiro, que também tinha uma banda, o Mickey Junkies. O papo traz boas novidades. Uma delas é que terermos um segundo álbum do The Gilbertos, o qual Thomas promete gravá-lo em oito canais.
Carneiro também sacou as fortes influências da MPB neste novo CD do Fellini, Amanhã é Tarde. Cadão tenta se esquivar de uma possível comparação com Chico Buarque (já abordada aqui neste blog): " Mas eu não vejo pares - nem mesmo o Chico Buarque". Respeito a opinião, mas não concordo. Cadão é o Chico Buarque dessa geração pop-rock.
(O curioso é que eu escrevi sobre isso num sábado, e li a entrevista numa segunda. Que coincidência, não?)
Outra novidade é que Funziona Senza Vapore, a banda na qual Cadão Volpato tentou dar continuidade a seu trabalho musical terá seu CD finalmente colocado à disposição do público dez anos após sua gravação. A fita master ficou perdida por muito tempo, mas Cadão acabou por reencontrá-la e agora os ouvintes serão brindados com seu lançamento, pela Outros Discos.
Eum um determinado trecho da entrevista, Cadão fala que o Fellini acabou. Sei não, essa história já foi ouvida antes..he he he
Enfim, a entrevista está aí linkada para quem quiser ver. Aliás, o Rodrigo Carneiro tem bom gosto e se baseou numa entrevista que o Thomas Pappon me concedeu para formular sua questão sobre a relação do Fellini com a MPB. Valeu.

O Fellini me proporcionou muito prazeres como ouvinte. Um deles foi certamente ter me ajudado a redescobrir Chico Buarque. Por influência de minha mãe, acabei acompanhando muito o seu trabalho quando eu era menino. Com o passar dos anos, fui descobindo coisas novas na música e deixei um pouco de lado as coisas que Chico compôs. Em 1990, o Fellini lançou um de seus trabalhos mais elaborados, o álbum Amor Louco. Como eu disse no post abaixo, esse disco (o CD começava a engatinhar no país) trazia influências de samba e do pop em suas faixas. Uma delas chamou bastante a atenção era toda cantada em inglês e seu título era Chico Buarque Song. Talvez, uma das canções mais apaixonadas que Cadão Volpato já compôs. Ela fala de uma relação amorosa e a certa altura um dos versos traz a segunte pergunta: "Do you still hear Chico Buarque at night?" Mas não para por aí. Há outro verso que diz: "Shine inside your eyes in my foolish eyes". Quando ouvi, veio um estalo: não seria uma citação a Olhos nos Olhos, canção composta por Chico Buarque? Na mesma época, a revista Bizz, quando fez a matéria de apresentação desse álbum também sacou a citação. Bingo.
Olhos nos Olhos foi lançada em 1976 no álbum Meus Caros Amigos. Ganhou uma regravação pouco tempo depois cantada por Aguinaldo Timóteo (ele mesmo, o da Casa dos Artistas 3), cometendo o desatino de trocar os pronomes, uma heresia suprema contra a intenção inicial de Chico que incorporou um "eu-lírico" feminino.
A canção fala de uma pessoa abandonada que dá a volta por cima depois do término de um relacionamento afetivo mal-sucedido. E o faz com grande estilo. Um verdadeiro tapa com luva de pelica em quem abandonou. Um exemplo está aqui nesse trecho:
E que venho até remoçando
Me pego cantando
Sem mas nem porque
E tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você

Graças ao Fellini pude desencavar essas e outras pepitas de ouro. A minha música preferida de Chico é Tanto Amar, lançada em 1981, no álbum Almanaque. A versão cantada pelo próprio autor é boa, mas a gravação definitiva ficou a cargo de Ney Matogrosso, que trouxe uma carga de sensualidade ideal a letra. Reparem com que riqueza de detalhes ele descreve como um olhar pode nos seduzir

Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela é bonita
Tem um olho sempre a boiar
E outro que agita

Tem um olho que não está
Meus olhares evita
E outro olho a me arregalar
Sua pepita

A metade do seu olhar
Está chamando pra luta, aflita
E metade quer madrugar
Na bodeguita

Se seus olhos eu for cantar
Um seu olho me atura
E outro olho vai desmanchar
Toda a pintura

Ela pode rodopiar
E mudar de figura
A paloma do seu mirar
Virar miúra

É na soma do seu olhar
Que eu vou me conhecer inteiro
Se nasci pra enfrentar o mar
Ou faroleiro

Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela acredita
Tem um olho a pestanejar
E outro me fita

Suas pernas vão me enroscar
Num balé esquisito
Seus dois olhos vão se encontrar
No infinito

Amo tanto e de tanto amar
Em Manágua temos um chico
Já pensamos em nos casar
Em Porto Rico


 
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