sábado, julho 09, 2005

Lúcio Ribeiro e o leitor-fonte

A entrevista a seguir é com o jornalista Lúcio Ribeiro, especializado em música e cinema. Colaborador da Folha de S. Paulo, mantém uma coluna de sucesso no site Folha On Line. O papo náo é inédito. Ele saiu no Observatório da Imprensa, em 2003. Aqui, o leitor poderá acompanhar uma versão mais extensa da conversa. Apesar do gancho principal ser a revista Out!, que nem mais circula, a sua nova publicação se justifica por outros assuntos abordados por Lúcio e que continuam atuais (Rodney Brocanelli).

O que levou você a fazer um guia e não uma revista de música como nos moldes tradicionais?

Lúcio Ribeiro – Revista de música no Brasil eu acho complicado. Deve-se ter uma idéia arejada para o mercado viciado (ou não-mercado brasileiro) de revistas. Aqui não temos uma indústria de música, tudo aqui é meio jogado. Existem gravadoras, existem rádios, existem lançamentos de discos, existem bandas, mas não há uma indústria musical. Ou se tem uma idéia razoavelmente boa para uma revista de música ou se está fadado a ir pelo sonho, pela garra de uma coisa que não faz parte de uma cultura musical. Às vezes acontecem uns picos bons, mas não dá para sobreviver num país que vive uma situação econômica instável como a nossa. A Out! nasceu de uma idéia que eu tive quando vi uma revista similar em Nova York, jogada no cantinho de uma loja de discos. O nome dela é Flyer, até por trabalhar com a cultura flyer, e também pelo seu tamanho. Na época, isso foi em 2000, pensei que poderia ser legal que tivéssemos algo semelhante, só que voltada para a música eletrônica. Como o rock começou a ter um caráter mais forte agora, começou a ser um pouco mais organizado e pegar como cena mesmo, não tanto como a música eletrônica, mas já com um corpo de cena, achei que era superinteressante lançar a revista agora. Desde o ano de 2002 passei a trabalhar no seu planejamento e as coisas foram casando.

Qual a abrangência da Out! ?

LR – Ele vai circular apenas em São Paulo e pode ser encontrada em lojas de discos, em clubes, em bares, em alguns restaurantes, em lojas de acessórios para roupas, cabeleireiros da Galeria Ouro Fino. Esse é um circuito que nós da equipe traçamos, pois é o caminho por onde passa a galera que sai a noite, tanto para ir a shows de rock, quanto para baladas de música eletrônica. A intenção é pegar o nosso público nesses lugares que eles freqüentam de dia antes de sair para as noitadas, mas a revista também vai estar na noite. A tiragem é de 30 mil exemplares, algo grande para uma revista desse porte.

A Out! vai ser distribuída gratuitamente?

LR - Vai. O formato dela é de flyer mesmo, 10x15, justamente para não vender, porque aqui esse tipo de publicação não vende mesmo.

E como está sendo o retorno comercial?

LR – A Out! ainda está no começo e todo começo é muito difícil, existem altos e baixos. Estamos no terceiro número e ela consegue se pagar. Enquanto o guia não onerar muito o meu bolso e dos meus sócios, tudo bem. Não é uma publicação cara e ela ainda tem uma certa vida. Cada número é uma emoção, como tudo aqui no Brasil, principalmente no ramo de revistas.

Que tipo de anunciante vocês pretendem focalizar?

LR - O guia pode ter todo tipo de anúncio, desde remédio que vai curar a dor de cabeça depois da balada, até carro feito para levar a galera nos lugares.

Existe uma equipe destinada a vender anúncios?

LR - Não, na verdade eu sou a equipe comercial da Out! Tenho a ajuda de um amigo e peguei consultoria de outros amigos publicitários bem colocados no mercado. Quando expliquei o projeto, eles disseram que o melhor contato comercial era eu mesmo

E a equipe que produz o guia?

LR – Quem também faz a Out! além de mim é o João Carlos De Pinho, responsável pela produção. Ele monta o guia no computador, faz o contato com a gráfica, entre outras coisas. Recentemente, entrou para a equipe o Rogério Andrade, que está encarregado da edição visual e ajuda nos contatos com o mercado publicitário. A nossa sede é na casa do João Carlos e nos reunimos lá apenas uma vez por semana para o fechamento. Tem dois meninos na equipe que vão mexendo na atualização da agenda de eventos. E eu vou criando as pautas e convidando pessoas para escrever.

O que é necessário ainda aprimorar na Out! ?

LR – A Out! ainda está nascendo e eu não sou publicitário. A cada dia descubro manhas e artimanhas desse mundo da publicidade. Nós estamos no terceiro número e vou aprendendo sempre uma coisa nova para tentar atrair anunciantes. Ficamos adiando o seu lançamento e chegamos num momento em que tínhamos de coloca-la na rua, nem que fosse para ver como é, para ver se ela acontece. Assumimos alguns riscos, mas demos sorte logo na primeira edição e conseguimos anunciantes que cobriram os custos e ainda nos deram uma folga para as edições seguintes.

Você crê que o formato guia é mais interessante do ponto de vista mercadológico? É mais fácil de criar uma identificação com o leitor?

LR – É um formato inédito aqui. Ele é atraente porque é único e não-convencional. A Out! tem um formato de flyer e quando a distribuímos, ela some. As pessoas não a jogam fora, elas guardam consigo para servir de guia mesmo. São dois os seus sustentáculos: um é o do serviço, que não existe por aqui. Não há uma programação decente para consulta de endereços e mesmo de eventos. O leitor vive da Veja em São Paulo, do Guia da Folha, que saí às sextas-feiras, que é uma coisa insípida. Outra coisa que a sustenta é a parte "cult" de eu chamar pessoas legais para colaborar, de tentar abordagens diferentes. Na segunda edição, chamei o estilista Marcelo Sommer para fazer a capa e ele tem um nome forte na cena noturna. Chamei também a Claudia Assef, o André Barcinski....O Zeca Camargo tocou na festa de lançamento e vai colaborar conosco. O Álvaro Pereira Junior vai escrever algo. O Bruno Porto, que é um cara muito bom nessa coisa de cultura pop e que escreve para o Globo, do Rio. Embora a revista seja de São Paulo, eu o chamei para participar também. O Thiago Ney, da Ilustrada (Folha de S. Paulo) escreveu, a Érika Sallum, da Veja... O Serginho Teixeira Jr., que está lançando pela Abril a revista Volume 01, vai fazer uma matéria sobre a cena black. O José Flávio Junior, da Usina do Som, vai escrever sobre a banda Los Pirata. Enfim, as pessoas que saem a noite, que tem uma idéia do que acontece na noite, estão escrevendo para nós.

Você disse que a revista depois de distribuída, não sobra. Já é possível ter um retorno dos leitores?

LR – Temos bastante retorno, todo mundo gosta da Out! porque ela é inédita, gosta porque ela traz um bom serviço e gosta porque ela traz textos legais e bacanas, daqueles que o leitor não vê muito em jornal, ou quando vê, percebe que é uma coisa diluída. Ela funciona um pouco como revista. A idéia inicial nem era ter tantas matérias assim, apenas uma ou duas.

Vocês criaram uma editora própria para lançar o guia?

LR – Criamos uma editora que se chama Studio 52. Eu já era sócio do João Carlos numa micro-empresa que ele tinha para o trabalho de produção gráfica que ele desenvolvia. Quando resolvemos fazer a Out!, transformamos essa micro-empresa em editora.

A Out! pode vir a ser incorporada por uma grande editora no futuro?

LR – A Conrad acenou com a possibilidade de levarmos esse projeto para lá, mas nós queremos tentar sozinho. A Out! não custa muito caro. Se ela conseguir se pagar, acaba sendo uma diversão bacana, no mínimo. É claro que sempre pensamos nela como um produto sólido no futuro. Eu não sou publicitário e acabo me vendo sempre em reuniões nas agências de publicidade com grandes diretores de mídia. É uma fase de aprendizado engraçada. O guia não me tira muito tempo. Há um certo trabalho, mas dá a possibilidade de que eu mantenha outras atividades. Na verdade, é uma experiência. Se der certo, vamos adiante, senão nós paramos. Fizemos tudo sem planejamento, é uma coisa empírica. Colocamos a revista na rua para ver onde ia dar.

Você pode falar em números?

LR – Ela custa R$ 5 mil, aproximadamente. Se vendermos dois anúncios, capa e contra-capa, é possível cobrir essa despesa. O resto que vier é lucro, até porque não há muito onde investir, a não ser pagar as colaborações. Como eu disse, não é uma revista cara de se fazer. Os preços dos anúncios são baixos comparados a qualquer revista de porte médio da Editora Abril. A venda de anúncios funciona assim: um amigo me diz que conhece algum fulano de agência, eu peço o contato, ligo, peço para mostrar a revista e marco uma reunião. Tinha duas reuniões marcadas, uma na Fischer, que uma gigante do meio publicitário e outra na DM9. Já fiz outras reuniões com pelo menos outras três agências grandes. Todo mundo adora a revista, o problema é aborda-los na hora certa, na hora de campanha certa para que eles possam anunciar. A parte editorial caminha sozinha, agora é só aprimorar a área comercial, que é uma parte que não conhecemos muito bem. Se a Out! não tivesse anúncios, eu poderia bancar duas edições sozinho. Como já rolaram alguns anúncios, ela tem um lastro de vida de uns dois meses. Enquanto acharmos que essa brincadeira está legal, seguimos em frente.

Jornalismo musical

Qual a avaliação que você faz do atual estágio vivo pelo jornalismo musical?

LR - Como eu respondi antes, estamos num país onde não existe uma indústria musical, é tudo muito jogado. As coisas vão acontecendo de uma forma abrupta e não se estabelece uma cena. Dentro disso, há gravadoras que em determinados momentos lançam coisas bacanas e em outros soltam lixo atrás de lixo. Existem jornais que às vezes fazem uma cobertura bacana de discos e bandas. Não temos rádios de qualidade, agora é que há um suspiro com a Rádio Brasil 2000 FM, que voltou a apostar numa coisa bacana para o público de São Paulo. Vamos pegar como exemplo a França, que não é um pais com tradição em rock e até mesmo na cena eletrônica, como os EUA e a Inglaterra. Lá, eles têm três revistas e uma delas é uma das principais do mundo que é a Les Inrockuptibles, preocupada com a cena independente de rock e música eletrônica. Eles têm também duas ou três rádios fortíssimas que estão na Internet e no dial. Eu sempre cito uma que é a Oui FM, e você pode escolher o tipo de música que deseja ouvir, desde o rock, o indie rock, o metal, etc. Na França, eles têm várias lojas, desde grandes lojas até pequenas. Os jornais de lá cobrem a música pop de forma decente Há um circuito de shows e neles se encontram anúncios da rádio, anúncios das lojas, enfim, tudo compõe uma cena, uma coisa movimenta a outra, existe essa engenharia da música pop. O que acontece no jornalismo musical brasileiro? Não há revistas e as que circulam por aí tentam sobreviver da maneira que dá. É difícil colocar pautas de música em jornal mainstream. A linha da Folha sempre foi a de textos que, de uma certa forma, instigassem o leitor a ir atrás das coisas. Não dá para escrever na Folha como se escrevesse para um fanzine, até porque está se falando com um público mais amplo, mas se eu acho uma banda legal, tenho que colocar o coração no meu texto para que esse leitor, no mínimo, fique instigado, que ele pense mais ou menos assim: "pô, esse cara está falando tanto dessa banda, falando com tanta devoção desse tipo de cena, desse tipo de disco, que eu vou experimentar ouvir para saber como é". Se sai uma crítica do disco dos Libertines que instiga o fã do Zeca Baleiro a ouvir essa banda já é uma vitória. Dá para contar nos dedos jornalistas que escrevem textos assim: o Tom Leão e o Carlos Albuquerque, do Globo. O Bruno Porto, do mesmo jornal, também é muito bom. Dá para encontrar uma cobertura que está longe de ser consolidada, mas que está bem decente, no Jornal da Tarde. O Thiago Ney, da Ilustrada, eu posso citar. São caras que conseguem passar isso num lugar onde não existe cena, mas fragmentos de cena. Existem pessoas que escrevem colunas ou em blogs e eu não concordo com nada do que escrevem, mas eu quero saber o que eles estão pensando, o que eles estão vendo e ouvindo. Alguma coisa eu posso tirar disso. Eu tenho um amigo, cujo nome não vou citar, que é assim: não concordo com nada do que ele escreve, mas ele o faz com tal paixão e isso que me faz acompanhar o trabalho dele. Sempre estamos trocando e-mails.

Você acha que o fato dos internautas baixarem músicas da Internet vai acabar eliminando a figura do jornalista musical como um elo de ligação entre a produção musical e o leitor?

LR – Aqui no Brasil nunca se precisou do jornalismo musical para isso, até porque nunca existiu uma cultura de música decente, a não ser em guetos. Quando eu falei dos Strokes pela primeira vez, estava falando com umas vinte pessoas, no máximo. Se um jornal dá uma capa para eles, está se falando com 20 mil pessoas. Se esse segundo disco for bom, uma crítica sobre o terceiro disco vai falar com 100 mil pessoas. O começo é sempre de gueto. Com a coluna que eu faço na Folha On Line, sei que estou falando para moleque que sai a noite, vai segunda-feira no The Edge, pessoas que vão na Funhouse, na LOVe. No jornal, eu tenho de falar com o cara que está indo comprar o disco do Zeca Baleiro e do Fagner. É para ele que eu queria falar do Libertines, do Raveonettes, é ele que eu quero trazer para a cena. Muita gente reclama que eu falo de coisas internacionais, mas é porque eu opto por falar disso, uma vez que eu penso que há jornalistas que podem falar melhor da cena brasileira, são duas cenas. Eu não preciso falar de jazz na minha coluna que é uma outra cena...

Então você se definiria como um crítico musical especializado em rock e não um crítico musical no sentido estrito do termo?

LR – Sim, eu tenho um pé dentro do rock, mas estou atento as coisas eletrônicas e as coisas pop também. Hoje em dia, são coisas que se misturam. Está tudo muito globalizado também, muito por culpa da Internet. Voltando a sua questão anterior, eu não acho que a Internet vá matar o jornalismo de papel. É um componente fortíssimo e que pode até ser superior na qualidade informativa, mas é um componente da cena. Se existir um jornal forte falando das coisas legais do pop, se existir a Internet, rádios e gravadoras legais, vai ser bom para todo mundo. Se o leitor ouve uma banda como o Charlie Brown Jr., ele só vai ouvir essa banda. Quando apresentarem a ele uma outra banda, vai haver um termo de comparação no qual se pode optar depois. O Brasil sempre teve em todos os níveis um lance de se trabalhar com uma certa ignorância das pessoas, isso é uma herança cultural sádica que temos. Quanto mais burro é quem está do outro lado, é mais fácil de maneja-lo, tanto politicamente, como culturalmente. Quanto mais se oferecer outras opções para as pessoas com seu texto, é uma maneira de ir contra isso. O que eu faço é mostrar para o leitor outras coisas, além das quais ele está acostumado.

Qual a sua opinião sobre a qualidade das revistas musicais que estão hoje no mercado?

LR – Muitas vezes eu me nego a falar sobre isso na minha coluna porque eu acho que tenho uma voz que é muito ativa nesse meio. Então, não vou quebrar discos, como faz o pessoal do programa Garagem ou então falar mal de alguma coisa, como o Álvaro Pereira Jr fala. Acho legal que existam esses personagens, mas no meu papel , simplesmente, não falo. É o início de uma cena e espero que isso não pare por aí, como houve um movimento semelhante nos anos 80, mas que se perdeu num dado momento. Nos anos 90, com o estouro do Nirvana houve algo que espelhou aqui no Brasil de bandas novas, rádios legais, matérias em jornal. Então, isso está voltando agora e não vou ficar falando mal enquanto essa cena está se estabelecendo. Se ela estivesse estabelecida, seria uma outra coisa. Se algum crítico falar mal de alguma banda da Inglaterra ou dos EUA, dá para falar até porque existem milhares de bandas. Porém, penso que seja complicado falar mal numa cena que está em construção como aqui, principalmente, no meu caso, se eu tenho uma voz. Então, simplesmente me calo. Recebo 200 CDs por semana, ou então sites com indicação de arquivos MP3. Quanto mais bandas existirem e estiverem estimuladas a nascer, mais bandas legais vão surgir. Prefiro apontar meu farol para essas bandas que são poucas e boas e para jornalistas que são bons, mas poucos, a ficar falando mal. Deve haver muita quantidade para depois se tirar uma qualidade.

Então você faz o mesmo com as revistas que estão sendo lançadas no mercado...

LR – Dentro de uma revista, que é uma coisa mais geral, existem coisas boas, assim como há coisas ruins. No jornal é a mesma coisa. Num texto específico também. O leitor pode ler uma crítica e sacar que o autor teve uma boa idéia, mas que no parágrafo seguinte ele já detonou tudo. É incrível sair na capa da Ilustrada uma matéria falando da crise da música eletrônica. Ela deveria ter saído no ano 2000, caberia muito bem nessa época, agora ela sai com três anos de atraso. É fácil apontar uma crise de criatividade agora e não notar que ela existia há muito tempo. E justamente a partir dessa crise, a música eletrônica foi para vários lugares, várias vertentes e agora ela está ficando muito criativa. Então, determinar essa crise hoje é um desserviço louco. Fico a vontade para falar disso, pois é o jornal onde eu trabalho. Conheço a pessoa que fez essa matéria, é uma pessoa antenada, mas do jeito que a coisa foi pautada, discordo totalmente. Existem outras duzentas coisas para se colocar numa capa de um caderno como a Ilustrada a falar de uma coisa que caberia discussão no jornal em 2000.

E-zines, a coluna e o leitor-fonte

Você costuma acompanhar os blogs e os e-zines?

LR – Acho os blogs bem legais, trata-se de uma coisa bem pessoal e gosto é gosto. Procuro ver todos os que os próprios autores me indicam, através do e-mail. Não sou de visitar um blog com uma certa freqüência, mas eu acabo tirando informações de muitos deles. Essa molecada que faz blogs tem uma certa proximidade com a minha coluna, que tem uma cara de blog. Eles tentam me fornecer coisas para aparecer na coluna e fazer com que ela seja uma extensão deles. Acho isso interessantíssimo. Quando eu atraso a entrega da coluna, pelo fato de estar atolado no trabalho, eu coloco uma cascata qualquer e acaba sendo impressionante o número de pessoas que reclamam de mim. Alguns me perguntam por que eu não mudo para as quintas-feiras e respondo que se mudar, vou atrasar do mesmo jeito. Prefiro que deixe na quarta-feira mesmo, assim tenho um dia de atraso, fico desesperado e daí eu trabalho na coluna. Jornalista funciona assim. Essa cumplicidade que eu tenho com os leitores é inacreditável. É muito melhor do que a cumplicidade com o leitor do jornal. Num dia eu cheguei e escrevi que estava sem assunto. Era mentira , sempre há assunto para falar, de um modo ou de outro. Brinquei dizendo "Alguém tem algum assunto aí? Dá uma ajuda aí?" Você não tem idéia da quantidade de coisas que vieram . Eu tenho um exército de leitores que metem o pau em mim, mas que não deixam de ler uma linha da coluna. Uma hora ou outra, esses caras estão me passando uma informação legal. Construo a coluna com o farol do leitor. Às vezes eu estou alucinado com o fechamento da Capricho ou fazendo uma reportagem para a Ilustrada ou cuidando da Out! e fico sem saber o que está acontecendo. Daí, chega um e-mail de um moleque que me diz que eu falei de uma banda, mas que ele acha que é nada perto de uma música do Outkast, que é uma dupla norte-americana que está lançando um CD agora. Fui ouvir a música e foi uma das melhores coisas do ano. Essa informação veio de um leitor. Se não viesse dele...Eu até acompanho o que o Outkast faz, gosto deles, mas essa informação não iria chegar para mim com a contundência que chegou. Escrevi que era a música do ano e até brinquei que tenho várias "músicas do ano" que mudam a cada quinze minutos, mas a vida é assim mesmo. A coluna não tem a pretensão de cobrir tudo, não tenho a obrigação de falar de tudo, gosto de pegar alguns pontos e jogar lá e eu sou muito cobrado pelos leitores por causa disso. Essa é uma exigência legal que vem dos leitores e eu não tenho isso na Folha. Sei que meus textos no jornal chegam para muita gente, mas ninguém me deu música porque eu escrevo lá. Ninguém me chama a atenção para certas coisas como eles. Por isso é que eu digo que ninguém engana ninguém. Como posso falar que o Kings of Lion é bom se em dez minutos um internauta pode baixar e achar que é um lixo? Eu faço colunas só com o que o leitor está falando. Não é o Lúcio que é esperto, o Lúcio que é esperto o suficiente para aglutinar essas coisas que vem deles e colocar num formato que possa instigar outras pessoas que não ouvem bandas como essas.

Você estaria criando a figura do leitor-fonte?

LR – Eu tenho uns dez leitores que sempre quando chega e-mail de cada um deles eu paro tudo só para ler. Um moleque de Piracicaba, no quarto dele, sabe mais que muita gente boa que fez faculdade e está escrevendo em grandes jornais.

Numa entrevista ao site Trabalho Sujo, do jornalista Alexandre Matias, você refutou as acusações de que seus textos são copiados de revistas musicais estrangeiras. Num determinado momento, você disse que deu coisas em sua coluna antes dessas publicações. Poderia citar um exemplo disso?

LR - Eu vi em Nova York um show da Miss Kittin, escrevi na minha coluna, e a imprensa de lá foi publicar algo sobre ela duas semanas depois. Outra coisa que eu falei antes foi sobre o Erol Alkan, que estava na cara deles. Ele é DJ de um club em Londres onde acontece a noite de rock indie mais legal do mundo. Falei dele e dessa noite muito antes da New Music Express. Ele estava escalado para tocar agora no Tim Festival. Uma semana antes do Abril Pro Rock fui ao Recife e encontrei lá um jornalista que cobre cultura pop para o The New York Times. Ficamos conversando e comentei que estava rolando uma cena legal em Nova York e falei dos Strokes que estava puxando essa cena. Ele me disse que não conhecia, não tinha ouvido falar da banda. É a mesma coisa que dar uma capa para a banda brasileira Forgotten Boys no NYT sem a Folha ter publicado antes, que é ridículo por que eles estão em todos os lugares, vão sair num ensaio para a Capricho. A Folha deu espaço para os Strokes muito antes que o NYT.

Picaretagens jornalísticas

O que te motivou a revelar numa de suas colunas o fato de que uma entrevista com Julian Casablancas, vocalista do Strokes, publicada numa edição da Revista da MTV é falsa?

LR – Eu já sabia desse caso há muito tempo, muita gente do meio jornalístico tem conhecimento dele e sabe quem foi o autor da entrevista falsa. Sempre procuro falar na minha coluna a respeito de temas que acontecem no momento e usa-las como gancho, como a Copa do Mundo, a guerra entre EUA x Iraque, por exemplo. Naquela semana específica havia explodido o caso dos plágios cometidos pelo Jayson Blair no jornal The New York Times e aproveitei para tocar no assunto. Há algum tempo, tive a oportunidade de estar nos camarins com a banda depois de um show e eu estava conversando com o baterista Fabrizio Moretti, que é de origem brasileira. Levei uma edição da revista Dynamite que tinha uma entrevista com ele, isso foi um pedido do Humberto Finatti, e também levei a cópia de uma capa da Ilustrada que eu fiz sobre os Strokes. No meio do papo eu falei da tal entrevista do Julian deu à Revista da MTV. O Fabrizio estranhou e me disse que o Julian não fala com jornalistas. Pedi que essa informação fosse confirmada, o Fabrizio foi falar com o Julian e na volta ele assumiu que o Julian não deu entrevista alguma, ainda mais por e-mail. Não imaginava a repercussão que essa notícia iria ter.

De quem foi a culpa nesse caso: da Revista da MTV ou do repórter?

LR – A culpa foi do próprio repórter...

Queria te dar um exemplo: se amanhã eu chego para você e digo que fiz uma entrevista via e-mail com o J.D. Salinger, que é um escritor recluso, esse sim que não fala com ninguém, você não tomaria um certo cuidado?

LR – São coisas diferentes. O Julian Casablancas é um garoto e aquela entrevista foi completamente insossa, poderia ter saído em qualquer lugar. Era o tipo de oportunidade para fazer algumas perguntas específicas sobre o Brasil, uma vez que o baterista deles é brasileiro. Se o Julian tivesse falado mal de alguém...E a Revista da MTV nem é tão importante assim no cenário musical.

Você pretende revelar a identidade do autor desta fraude algum dia?

LR - Não, até porque a pessoa que fez isso está pagando pelo o que ela fez até hoje.

Existem outros casos de picaretagem jornalística na área cultural que você conheça? Poderia revelar alguns deles?

LR – Existem outros casos da própria pessoa que fez essa falsa entrevista, existem casos na Folha, no Estadão e no Valor Econômico, mas são coisas isoladas e não se trata de uma tendência comum na imprensa. Se existisse uma onda de reportagens ou entrevistas inventadas, aí sim haveria sentido em se falar mais a respeito.

 
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