Fellini ainda vive, dezoito anos depois
Rodney Brocanelli
A expectativa de vida de uma banda independente no Brasil é curta. São raras aquelas que passam dos cinco anos. Quem consegue chegar aos dezoito, como é o caso do Fellini, pode ser considerado mais que vitorioso. O conjunto, cujo núcleo-base era formado por Thomas Pappon (instrumentos) e Cadão Volpato (letras e vocal), apagou velinhas no último dia 18 de maio. A data é o marco do primeiro ensaio, ocorrido em 1984. No mesmo dia, só que em 1980, Ian Curtis, vocalista do Joy Divison, colocava fim à sua própria existência. Uma coincidência interessante. Desde então, foram alguns álbuns, vários shows, inúmeras histórias, muitas despedidas e, conseqüentemente, muitas voltas. O primeiro disco (na época nem se sonhava com o formato CD) foi lançado em 1985, pela Baratos Afins, uma loja de discos paulistana que decidiu ter seu próprio selo. Chamava-se "O Adeus de Fellini" , uma paródia com o título "The Return of Durutti Collumn" , álbum de estréia do projeto musical de Vinni Reilly. Desse LP, saiu o hit "Rock Europeu", que tocou muito nas rádios de rock da época e os tornando relativamente conhecidos. O trabalho do Fellini ultrapassou fronteiras e chegou a Inglaterra, através do programa de John Peel, na BBC. Ele tocou "Outro Endereço, Outra Vida". A repercussão foi boa e o Fellini recebeu várias cartas de ouvintes localizados em outras partes do planeta que se interessaram e se identificaram com a música, apesar da barreira da língua. Uma delas foi de um presidiário. Outro, mais entusiasmado, chegou até a mandar pelo correio 20 dólares a fim de receber uma cópia do álbum pela via postal. O pedido foi prontamente atendido por Thomas. A gafe ficou por conta de Peel, que anunciou o Fellini como uma banda mexicana (!) no ar.
A mesma Baratos Afins lançaria em 1986, "Fellini só Vive Duas Vezes", um álbum gravado na sala de estar da casa de Thomas Pappon, utilizando-se de um gravador Tascam. Em 1987, veio "Três Lugares Diferentes", com mais um hit, "Teu Inglês", e uma polêmica. A extinta revista Bizz na sua tradicional votação de melhores do ano pela crítica apontou "Três..." como melhor álbum do ano, empatado com "Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas", dos Titãs. Porém, numa entrevista ao jornalista Alexandre Matias, então no jornal Diário do Povo (Campinas), em 1999, Thomas revelou que aquela eleição fora adulterada. O álbum do Fellini tinha sido eleito sozinho o melhor de 1987, mas os editores da revista decidiram mudar o resultado para evitar um incidente diplomático com bandas que pertenciam ao cast das grandes gravadoras.
O último álbum do Fellini seria "Amor Louco", em 1990, cujo lançamento aconteceu pela Wop Bop, outra loja que a exemplo da Baratos resolveu lançar discos. Pouco tempo depois, Thomas resolveu se mudar para a Europa e decidiu-se que não havia sentindo continuar com a marca Fellini. Cadão Volpato montou o Funziona Senza Vapore com alguns músicos que já haviam tocado na banda, entre eles Jayr Marcos e Ricardo Salvagini, mais a participação de Rebecca Matta. O "Funziona..." não seguiu adiante, apenas lançou fitas-demo, sequer chegando a gravar um CD, mas teve uma de suas músicas gravada por Chico Science: "Criança de Domingo", que pode ser encontrada em Afrociberdélia.
Science, por sinal, era talvez o único nome da música pop que nunca escondeu a sua admiração pelo Fellini. Ele até chegou a fazer um show em Recife, tocando músicas do repertório composto por Thomas e Cadão. Enquanto Chico Science fazia o papel de típco fã, a banda enfrentava uma certa resistência entre o restante de seus pares, especialmente os integrantes do Ira! e dos Titãs. A acusação era sempre a mesma: para eles, o Fellini só tinha espaço na mídia por que seus integrantes eram jornalistas. Thomas Pappon foi crítico musical da Bizz e Cadão Volpato editava a revista Set, ambos os títulos da extinta Editora Azul. A dupla refuta as acusações até hoje. Thomas lembra que nunca votou em si mesmo ou no próprio grupo nas eleições de melhores do ano. Postura diferente tinha o também jornalista Fernando Naporano, colaborador da revista, que certa vez votou em sua própria banda "Maria Angélica Não Mora Mais Aqui".
Mesmo com o seu fim, o Fellini deixou uma boa lembrança entre seus fãs. "Uma meia dúzia", como brinca Cadão. Podiam até ser poucos, é verdade, mas sempre foram fiéis. Com o advento da Internet, ficou mais fácil de se reunir pessoas que pudessem trocar informações sobre a banda. Enquanto isso, Thomas, já estabelecido em Londres, onde trabalha no serviço brasileiro da BBC, sentiu que poderia fazer alguns shows-reuinão. A idéia deu certo e em 1998, durante suas férias, o Fellini realizou uma mini-turnê por São Paulo, Rio e Brasília, com Thomas e Cadão na linha de frente e músicos especialmente convidados para a ocasião. No ano seguinte, o Fellini tocaria no festival Rec Beat, em Recife. Em 2001, finalmente o álbum "Amor Louco" seria relançado em CD. No mesmo ano, Thomas e Cadão decidiram que era a hora de voltar a gravar. Um dos fatores que pode ter pesado para o retorno foi a boa receptividade de "Eurosambas 1992-1998", uma compilação de músicas que Thomas compôs sozinho depois que se mudou para a Europa e gravou sozinho sob a alcunha de The Gilbertos, sendo lançado em 1999 pela mmrecords.
O processo de gravação deste "come-back" foi simples. Thomas mandou uma série de melodias para Cadão. Este colocou os vocais e fez as letras. Material pronto, Cadão viajou para Londres e de lá voltou com as matrizes de "Amanhã é Tarde", cujo lançamento aconteceu no ínicio de 2002 pela mesma mmrecords. Assim como em "Fellini Só Vive...", a dupla trabalhou sozinha na sala de visitas da casa de Thomas. A única diferença foi a cidade.
Dezoito anos depois de seu primeiro ensaio, o Fellini ainda vive. Nada mau para quem profetizava seu fim logo no título do primeiro álbum.
Serviço/Discografia:
O Adeus de Fellini (1985) - Baratos Afins
Fellini Só Vive Duas Vezes (1986) - Baratos Afins
Três Lugares Diferentes (1987) - Baratos Afins
Amor Louco (1990) - Wob Bop
Amanhã é Tarde - (2002) - mmrecords
Amanhã é Tarde já está nas lojas e pode ser encomendado na página da gravadora mmrecords: http://www.mmrecords.com.br. Os outros álbuns são facilmente encontrados nas lojas das galerias, aqui em São Paulo.
Publicado no zine CanalB em 2002, à época do lançamento de "Amanhã é Tarde". O show do Fellini no Tim Festival só iria acontecer no final do ano seguinte, por isso não está citado nesse texto.
terça-feira, agosto 10, 2004
Postado por Rodney Brocanelli às 12:23 AM
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário