sexta-feira, julho 22, 2005

Estranhos no Ninho

Guitarrista do Fellini fala sobre a apresentação no Tim Festival de 2003 que causou polêmica entre público e crítica.

Por Rodney Brocanelli

Quem diria que uma banda semi-profissional iria causar uma das maiores polêmicas musicais do ano de 2003? Tudo começou quando foi divulgada a escalação oficial do Tim Festival. A presença do Fellini entre aqueles que iriam tocar no evento causou estranheza em certos círculos dos meios musical e jornalístico. O que uma banda de trajetória tão errante estaria fazendo num festival de grande porte ao lado de nomes já tão conhecidos como White Stripes? Alguns centímetros de textos em jornais, sites e blogs foram utilizados para tentar responder a esta questão.

A apresentação propriamente dita do Fellini (ocorrida no dia 31 de outubro) apenas serviu para aumentar ainda mais a polêmica. Depois de uma rápida pesquisa no Google, procurando pelas palavras-chaves “Fellini Tim Festival”, a conclusão (por amostragem) é que houve uma rígida divisão. Metade das pessoas que estavam lá curtiram o show, enquanto a outra metade torceu o nariz.

Agora que a poeira baixou, ninguém melhor do que alguém que estava lá no palco para contar como as coisas rolaram. Na entrevista que se segue, Jair Marcos dá sua visão pessoal da participação do Fellini no Tim Festival. Ele revela detalhes do antes, durante e depois nesse papo que aconteceu via e-mail. Jair fala ainda sobre O Baile Punk, uma outra banda que mantém com integrantes do Fellini, e sobre seus outros projetos musicais.


Pelos comentários publicados em blogs e resenhas de grandes veículos, chega-se a conclusão de que o show do Fellini no Tim Festival dividiu opiniões. Metade gostou, a outra metade não. Qual foi a impressão que vocês tiveram da reação do público no momento em que estavam tocando?

Olha, não é muito fácil chegar a um grande festival como esse. Para nós foi tudo uma surpresa, principalmente termos sido colocados no palco principal, ao lado de grupos que estão na cena mundial hoje. O show começou um tanto morno, mesmo porque era essa a idéia mesmo. O Fellini é exatamente aquilo que mostrou. Depois fomos esquentando o show e cativando a platéia. No geral, sinto que fomos bem recebidos. Alguns críticos acharam o som "frouxo", coisas do gênero. Eu acho que poderia ter tido bateria além da percurssão do Silvano Michelino, para o som ficar com mais pegada. Mas tivemos muito pouco tempo para o preparo de tudo. O importante é que mostramos um bom resumo dos 19 anos de existência do Fellini...

Você chegou a ler algum comentário sobre o show? Em caso afirmativo, como recebeu as análises?

Cara, não cheguei a ler os comentários de O Globo, que parece que foram bem críticos, nem vi a "carinha feia" do Jotabê Medeiros, no Caderno 2. Li somente a matéria que saiu no próprio site do Tim e mais alguma coisinha por aí. Sei que o cara d'O Globo chamou o show de "flácido". Bem, eu sou meio magrinho, os outros não estão tão "gordos" assim. (risos). Brincadeiras a parte, acho que eles (os críticos) têm a razão deles, e talvez tivessem preferido ver um show de altíssimo nível profissional. Como já afirmei, tivemos pouco tempo para preparar o show (menos de uma semana) e não tínhamos muita bala para chamar outros músicos profissionais para enriquecer ainda mais o som. Mas tivemos certo "punch" sim, e os críticos que vão fazer o som deles, ora bolas... Afinal, nossas canções são bonitas e fizeram a cabeça de várias gerações.

Você acredita que se a apresentação tivesse acontecido em São Paulo, a reação seria diferente?

Olha, não acho que muda muito, não. Em 98 fizemos nosso primeiro "revival", tocando em São Paulo, Brasília e Rio. Principalmente aqui em Sampa e no Rio, a receptividade foi grandiosa. Nunca tínhamos tocado para platéias que cantassem nossas músicas junto com a gente. Foi o que aconteceu naquele ano. No caso do Tim Festival, vieram várias pessoas me cumprimentar após o show dizendo que foi o máximo, muito bom etc. Soube que no meio das cerca de 2 mil pessoas (para quem tocamos) haviam muitas pessoas emocionadas de estarem vendo a gente no palco. Teve até aquela reação de pedido de "bis". Assim também foi a reação do público de Recife, no Rec Beat em 2000. O Fellini é assim mesmo, um grupo não profissional, com boas canções que alegra Gregos, mas não os Troianos... Nossos discos dão conta do recado e mostram melhor nossa proposta musical, se for o caso. Comprem!

As condições dadas pela organização do Tim Festival foram satisfatórias ou há algum reparo a fazer nesse sentido?

Eu pessoalmente sofri com o meu retorno no palco. O Whirlwind Heat entrou antes da gente, e meu esquema foi mudado. Na tensão inicial do show, acabei deixando barato, e toquei o show assim mesmo, usando a "técnica" de sair da frente do retorno, quando eu não estava fazendo backings vocals - aí eu ouvia melhor todo mundo. Quanto às acomodções no Meridien, em Copacabana, sem comentários. Maravilhosas. O Hotel estava muito divertido com toda aquela "fauna" de músicos andando para cima e para baixo. No geral, a organização foi boa.

Como se deu a escolha do repertório?

Com bastante discussão via email entre todos nós (antes de nosso encontro oficial). O Thomas apresentou uma lista como proposta inicial. Eu sempre fui a favor dos rocks e consegui emplacar com "Rock Europeu" e "LSD". Acontece que esta última não ficou muito favorável nos ensaios e acabou sendo cortada. Mas levamos em consideração as músicas que mais marcaram como "Teu Inglês", "Zum, Zum, Zum Zazoeira", "Amor Louco", "Samba das Luzes" e duas do último disco. "Longe" ficou com um arranjo muito bom, e a platéia reagiu muito bem a esta canção.

O tempo para ensaiar foi suficiente?

Sim, acho que para a proposta do som, foi o suficiente. Nunca tínhamos ensaiado tanto em tão pouco tempo. Meus dedos ficaram calejados, antes doloridos. Mas conseguimos acertar todo o repertório e fizemos um bom show, sem erros pelo menos (risos).

Como foi o clima entre vocês do Fellini antes e depois de que vocês subiram ao palco? Rolou alguma história curiosa, engraçada?

Antes é sempre aquele cagaço. Mas para mim, parece ser mais legal tocar para grande platéias. O friozinho na barriga acontece sempre antes de alguma apresentação, pode ser para meia dúzia de pessoas. Percebi que todos estávamos bem tensos. Mas a tensão vai passando na decorrência do show. A interatividade com a platéia é a melhor parte de tudo. É bom quando você olha para o público e vê que tem alguém lá chacoalhando com o que você está fazendo. Claro quer o melhor da festa é receber uma boa receptividade – e reafirmo que foi isso que ocorreu, críticas à parte. O pós show foi puro alívio de dever cumprido, muita adrenalina de alegria, e cerveja a dar com o pau... Só festa.

Houve tempo para que você acompanhasse algum outro show do Tim Festival?

Claro, chegamos um dia antes. Vimos a Beth Gibbons, a k.d.Lang, o Wado, o Lambshop. Circulamos por toda a área do Festival. Foi muito interessante. Chegamos até a entrar no Tim Club, e vimos rapidamente alguma coisa de Jazz por lá. Depois de nosso show vimos (e adoramos) o Super Furry Animals, vimos os The Raptures e os queridnhos White Stripes...

A propósito, seu celular é Tim ou Vivo?

Vivo.

E O Baile Punk, a quantas anda? Um CD registrando as músicas de vocês pode ser lançado em 2004?

Olha, isso depende da boa vontade do Cadão. Nos encontramos no último sábado e ele não me pareceu muito animado não. Ele disse que esqueceu as músicas. Bem, temos que esperar o pique musical voltar, porque o Tim Festival sugou bastante nossas baterias.

Além do Baile Punk, quais são seus outros projetos musicais?

Eu quero começar a compor sozinho. Depois dos 40, acho que a gente tem que começar a mostrar alguma coisa própria. Sempre compus coisas sozinho, mas nunca mostrei nada por aí. Talvez este seja o momento, inclusive um bom desafio pessoal. Não prometo nada, mas sinto muita vontade.

E sobre o futuro do Fellini, o que você pode dizer? Teremos alguma outra surpresa ou acredita que não há mais volta mesmo?

O Fellini sempre ME surpreende, porque o Fellini são pessoas: sou eu, o Thomas, o Cadão, o Ricardo. E pessoas são instáveis, surpreendem. Nossas voltas em 98, 2000 e agora, em 2003, foram todas surpreendentes não só para o público, mas para nós também, porque vimos que tínhamos condições de realizar bons shows, melhores dos que fazíamos quando o grupo ainda estava reunido. Para Thomas e Cadão, o grupo não volta. Eu sempre duvido, porque a vontade sempre grita alto, e o destino dá um jeitinho de a gente se reunir, como foi o Tim Festival. O legal mesmo seria fazermos um sexto disco com a formação original citada. Quem sabe?

*

Essa entrevista foi publicada no site da revista Zero em janeiro de 2004. Está meio perdida por lá, então resolvi traze-la para cá. Já tinha etrevistado Thomas Pappon, Cadão Volpato, mas nunca tinha falado com o Jair Marcos. A idéia foi repercurit o diz-que-diz acerca da participação do Fellini no Tim Festival, antes e depois.

A pergunta sobre a operadora de telefonia celular da qual Jair é cliente se baseou num texto de Bruno Medina, tecladista da banda Los Hermanos. Ele colocou em seu blog, Instante Anterior, um post desancando a organização do Tim Festival, entre outros motivos porque os shows da sexta-feira, dia em que ele foi como espectador, começaram no horário. Ao final, ele escreve: "e é por isso que meu celular continua sendo Vivo".


Jair Marcos, grande figura, um boa praça do meio musical, tem acompanhado Cadão Volpato nos shows de lançamento que este tem feito de seu CD solo: "Tudo o que eu quero dizer tem de ser no ouvido".

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