Você ainda não sabe o que é uma rádio livre, pirata ou comunitária? Então leia essa entrevista que eu concedi ao zine Alternative World e esgotando o assunto:
Pergunta - Bom, primeiramente, eu queria que vc explicasse pro pessoal que ainda não sabe o que é uma rádio livre, pirata ou comunitária!
Rodney Brocanelli - Na verdade, essa termonologia é usada aqui no Brasil como sinônimos da mesma coisa. O que caracteriza essas rádios são (ou pelo menos deveriam ser) a baixa potência, o alcance restrito, a clandestinidade das transmissões. O temo rádio pirata surgiu na Inglaterra porque uma das rádios mais famosas, a Caroline, transmitia de um barco que estava na costa
britânica. Daí, fez-se a associação com os antigos piratas. A expressão rádio comunitária ganhou força aqui no Brasil. Serve para designar as emissoras que prestam serviços as comunidades onde operam. Rádio livre é um termo surgido na Itália, até porque as rádios daquele país tinham um conteúdo fortemente politizado. O grande problema é que como esses termos são usados sem muito critério pela imprensa, cria-se uma confusão na cabeça do ouvinte.
Pergunta - Como, quando e com qual finalidade as primeiras rádios surgiram?
Rodney - A primeira rádio que se tem notícia foi a Caroline lá pelos anos 50, na Inglaterra. Ela foi a primeira a tocar o então emergente rock and roll norte-americano (Elvis, Chuck Berry, entre outros). Até então, esse tipo de música não entrava no Reino Unido. Foi por causa da Caroline que a BBC decidiu criar a Radio One, dedicada ao rock. Depois, lá pelos idos dos
60 e 70 surgiram as rádios da Itália e que também fizeram história, como a Rádio Alice. Aqui no Brasil, oficialmente a coisa começou na década de 70, embora pouco a pouco estejam surgindo relatos de rádios piratas nos anos 50. Mas para muitos historiadores, o marco é mesmo nos anos 70.
Pergunta - Como você entrou nessa e há quanto tempo você mantém a rádio?
Rodney - Eu comecei em 1995 me integrando à equipe da Rádio Onze, uma rádio do Centro Acadêmico XI de agôsto da Faculdade de Direito-USP. Fiquei por lá uns dois anos e meio. Eu deixei o dia-a-dia da Onze, mas sempre ajudava de alguma forma. Em, 1998 essa fase da Rádio Onze foi encerrada por motivos alheios a vontade de todos que dela faziam parte. Desde então eu acompanho o movimento de rádios livres mais como observador e frenquentemente escrevo sobre o tema para sites da Internet, revistas e fanzines.
Pergunta - Ela é uma rádio sem permissão do governo para funcionar?
Rodney - Isso mesmo. A Rádio Onze nunca teve concessão para seu funcionamento.
Pergunta -Ela funciona em baixa freqüência, certo? Então em quais áreas é possível sintoniza-la?
Rodney - A Rádio Onze era sintonizável em todo o centro velho de São Paulo. Transmitiamos desde a Avenida São João. Algumas pessoas de outros bairros um pouco mais distantes como Santana afirmavam recepcionar o sinal da Onze sem problemas.
Pergunta - Qual é o argumento que o governo usa para não legalizar a radiodifusão livre, já que editar um fanzine ou um site é o mesmo principio? Por que estão errados?
Rodney - Não podemos nos esquecer que a concessão para o funcionamento de emissoras de rádio e tv é dado pelo Governo Federal. Alega-se questões de segurança para isso. O medo é de que algum grupo esquerdista possa ter um veículo para divulgar mensagens contra o próprio governo. E se sabe do poder que os veiculos falados e televisados têm sobre a população. Só para citar um exemplo meio grosseiro: Fernando Collor de Mello. Ele foi resultado do bom uso dessas mídias. Não que ele tenha alguma coisa a ver com as rádios livres, muito pelo contrário. Mas ele usou muito bem o rádio e a tv para passar sua mensagem. Então, esse é o medo dos poderosos de Brasília. Um grupo de esquerda poderia ter sua comunicação muito facilitada se tivesse em seu controle uma rádio livre. Tem ainda o lance da interferência do sinal na comunicação entre aeronaves e aeroportos, mas até aí qualquer rádio, inclusive as oficiais, podem fazer isso. Enfim, apesar de tudo, há possibilidade de fazer coisas interessantes usando uma rádio pirata. Quem deseja se lançar num projeto como esse deve analisar os prós e os contras.
Pergunta - Existe algum processo em andamento em prol das rádios livres?
Rodney - Existe a Lei de Radiodifusão Comunitária, que foi sancionada pelo governo FHC. A Anatel abriu uma concorrência para quem desejasse operar rádios comunitárias, mas o processo é lento demais. Não tenho conhecimento de nenhuma rádio comunitária dentro dessa lei que esteja no ar.
Pergunta - Cite exemplos do que as rádios livres poderiam fazer pela sociedade?
Rodney - Eu vou contar uma historinha. Em 1996, o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, queria reabrir o tráfego noturno no Minhocão entre 22h e 06h. Quem conhece, sabe do que eu estou falando. É uma via elevada que fica ao lado dos prédios de boa parte da Av. São João, onde ficava o estúdio da Rádio Onze. Imaginem o transtorno que os carros rodando na via de madrugada.
Um de nossos programadores, o José Roberto Reder Borges, conhecido como Pato, teve a idéia de fazer uma campanha contra essa decisão do prefeito, mostrando os prejuízos que os moradores ao redor do Minhocão iriam ter. A Rádio Onze então lançou a campanha "Maluf, deixe-nos dormir em paz". Foi um enorme sucesso. A comunidade do centro que estava contra essa idéia viu na Onze uma aliada. Fizemos abaixos assinados e tudo o mais. Resultado: Maluf voltou atrás de sua idéia inicial. Esse é um belo exemplo que ilustra a sua pergunta.
Pergunta - É muito difícil montar uma rádio? Existem quites de faça-você-mesmo no exterior, né? Então... você acredita que num futuro, próximo ou não, será legalizada a radiodifusão livre ou a hipocrisia vai predominar?
Rodney - O panorama não vai mudar. Eu acho que vamos ter rádios livres regulamentadas, através da lei que eu citei há pouco e rádios clandestinas operando nos espaços vazios do dial. Embora eu não seja a pessoa mais indicada para falar da parte técnica, posso garantir que não é difícil montar uma rádio. Dá para fazer um transmissor caseiro comprando seus componentes nas lojas do bairro de Sanra Efigênia (onde eu cresci, aliás). Na página da Rádio Onze tem um guia completo de montagem de rádios livres
escrito por Chico Lobo, um de nossos grandes colaboradores. O endereço é http://www.onzenet.cjb.net e aproveitem para conhecer um pouco da história da Onze.
Pergunta - Vc já viu ou ouviu casos de que a polícia, ou algo parecido, destruiu alguma rádio? Isso acontece sempre que eles descobrem uma? E com freqüência?
Rodney - Quem tem o poder de fechar rádios livres é a Polícia Federal. Apenas ela. Funciona mais ou menos assim: a fiscalização da Anatel descobre uma rádio clandestina e avisa a PF. Eles vão lá, tem o poder de fechar a rádio e levar alguma coisa que caracterize o flagrante. É claro que podem acontecer exageros nas autuações, mas a regra geral é sempre procurar manter
a calma em momentos como esse.
Pergunta - Existem muitas rádios piratas atualmente? Quantas mais ou menos?
Rodney - É difícil dizer. Para cada rádio livre que é fechada, são abertas pelo menos mais umas três. Eu não arriscaria um número, mas são inúmeras, isso é certo.
Pergunta - Deixe qualquer mensagem pro pessoal...
Rodney - Obrigado pelo espaço e agradeço também a aqueles que pararam para ler essa entrevista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário